domingo, 9 de outubro de 2011

A evolução do ensino da história da África

Até bem pouco tempo, o que os alunos de ensino fundamental e médio no Brasil estudavam sobre a África era exíguo. Num país como o Brasil, construído em três séculos de escravismo negro, não sabíamos quase nada sobre o que havia na África. Era como se os africanos não tivessem passado e fossem meros coadjuvantes numa história cujos atores principais eram os brancos europeus.

Os alunos aprendiam que o homem surgira naquele continente há milhões de anos e que dali passou a povoar o planeta. Apareceram, depois, várias civilizações, dentre as quais a egípcia, que todo mundo lembra pelo rio Nilo, pelas pirâmides, pelas múmias...

Mencionávamos a África de novo, indiretamente, quando falávamos do Império Romano, dos Árabes, da Expansão Marítima Europeia e da escravidão dos negros, trazidos aos milhões para a América. Pronto. Era praticamente isso.

Recentemente, com a força dos movimentos negros no Brasil, surgiu toda uma preocupação em falar dos africanos, não apenas como escravos, mas entendê-los quanto à história, cultura, religião, cotidiano, costumes, enfim, como agentes históricos. Essa mobilização levou, em 2003, à aprovação da Lei no 10.639, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileiras nos níveis fundamental e médio.

Apesar disso, há dificuldades para incrementar ainda mais o estudo da história da África. Muitos professores, os mais antigos, não estudaram esse assunto na graduação (o que está se tentando remediar com vários cursos de extensão atualmente). Outro fator é a carência de livros didáticos e outras fontes, mesmo após o Ministério da Educação (MEC) com apoio da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco), em 2010, organizar um vasto material sobre a história da África, que está disponível no site da Unesco.

Acredito que esses problemas serão contornados num futuro breve. Os novos livros didáticos, por exemplo, já trazem capítulos específicos sobre a história africana e, além disso, há uma crescente produção de paradidáticos sobre o tema, como o produzido pelo Sistema Ari de Sá, de Fortaleza, intitulado Uma Breve História da África.

A abordagem do professor em sala também requer atenção. Ainda temos traços racistas em certas parcelas de nossa sociedade, que vê com preconceito temas como a religiosidade africana ou afro-brasileira. O professor logicamente não deve se tornar um apologista de qualquer crença, mas ajudar a despertar nos alunos o respeito aos diferentes credos. Pode-se não concordar com o outro, mas devemos entendê-lo e respeitá-lo. Essa é uma premissa fundamental para uma sociedade democrática e plural como todos nós imaginamos e desejamos.

Também devemos evitar o perigo de cair no exótico ou na idealização da África. No primeiro caso, muito tentador em sala de aula, pela natural atração que o diferente provoca, há o risco de apenas reproduzir estereótipos e preconceitos, sem compreender as diversidades culturais dos vários povos africanos dentro da dinâmica histórica. No segundo caso, não se pode ver a África como uma terra “perfeita, onde tudo era harmônico e bom” até a chegada dos europeus. Obviamente não quero diminuir ou negar a responsabilidade das potências ocidentais sobre a hecatombe social, econômica e política que o continente africano viveu nos últimos séculos.

Longe disso.

A história da África faz parte da história da humanidade, com grandes feitos, é verdade, mas com contradições igualmente. Seu povo foi também sujeito ativo de seu processo histórico. Assim, por exemplo, sabemos que lá já havia escravidão desde a Antiguidade e que o fornecimento de cativos à América era feito num lucrativo negócio que envolvia europeus e reis, mercadores e chefes locais africanos.

É fundamental para o professor ressaltar a diversidade que marca a história. Existiam e existem muitas Áfricas. É um continente com 30 milhões de quilômetros quadrados de superfície, que abrigou diversas civilizações, milhares de etnias, com origens, trajetórias e culturas distintas (embora existam elementos comuns também).

Igualmente não podemos cair na vitimação excessiva dos africanos, vendo-os apenas como “humildes povos” – isso apenas faz ratificar as visões eurocêntricas acerca da inferioridade daqueles povos. Na África, vamos encontrar grandes civilizações, tais como Kush, Gana, Mali e Songai; também há a produção ali de notórios saberes, a exemplo do domínio da metalurgia ou de construções magníficas, como o Grande Zimbábue, uma monumental edificação onde as pedras foram colocadas uma em cima da outra, sem cimento, de forma semelhante às construções dos Incas no Peru.

O professor, assim, deve estar atento às especificidades da história africana e suas contradições. As sociedades da África apresentavam aspectos diversos e viveram processos históricos ecléticos. Não eram sociedades perfeitas e muito menos se constituíam de povos inferiores, selvagens ou exóticos. A África tem uma história rica, muito mais ligada ao Brasil do que o senso comum indica. Nesse novo olhar e redescoberta da África, a escola e o professor apresentam papéis importantes. O combate ao racismo e o respeito à diversidade histórica e cultural têm neles um grande aliado. Mãos à obra, mestres.

Airton de Farias aridesa@aridesa.com.brProfessor do Colégio Ari de Sá e de faculdades no Ceará. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), é Mestre em História também pela UFC.

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